O ambiente sufocante do verão japonês rural é quase um personagem em "O Verão em Que Hikaru Morreu". O calor e a umidade permeiam cada cena, moldando os comportamentos e os rituais que definem a cultura local. Festivais, raspadinhas de gelo e banhos no riacho não são apenas atividades de lazer, mas sim respostas práticas à natureza implacável, elevadas ao status de tradições.
Rituais são o foco central, e essa temática se encaixa perfeitamente com a exploração dos segredos da pequena cidade. Rituais unem um grupo, criando uma barreira que exclui os de fora, unindo e dividindo simultaneamente. Kaoru, por exemplo, veste um yukata para se adequar à experiência estereotipada do festival, mas sofre com os olhares e murmúrios de julgamento direcionados a ela e sua família. Buscamos a comunidade através da participação em rituais, mas a aceitação individual é decidida pelos outros.
Hikaru, agora uma entidade diferente, é fisicamente impedido de entrar no santuário por uma barreira ritualística. Ele expressa o desejo de ser "normal", mas não pode mudar a forma como é visto por aqueles que o temem. A barreira o rejeita como uma entidade não humana, independentemente de suas intenções. Ele precisa fingir que está tudo bem, para não revelar sua verdadeira natureza. Essa é uma metáfora poderosa sobre esconder a própria essência em um território hostil.
A trama revela que Yoshiki sempre soube da verdade sobre Hikaru. Surpreendentemente, isso agrada a Hikaru. A afeição do "novo" Hikaru por Yoshiki é genuína, e quanto mais Yoshiki consegue diferenciar entre o Hikaru original e a criatura, mais os sentimentos da criatura se validam como os de um indivíduo. Nonuki-sama é um objeto de reverência e medo, confinado às montanhas para ser controlado. Hikaru, por outro lado, quer ser apenas Hikaru, mesmo que não seja mais o mesmo.
Os sentimentos de Yoshiki são complexos e contraditórios. Ele guardou o segredo da morte de Hikaru por seis meses, demonstrando uma capacidade impressionante de repressão. Reprimir e ignorar sentimentos são mecanismos de defesa familiares para ele. Em um flashback, ao se referir ao filho gay da família Yasaburo, ele usa o termo formal "homossexual", como se o mantivesse à distância. Hikaru, por sua vez, usa a sigla "LGBT", que Yoshiki finge desconhecer. Essa diferença na linguagem revela muito sobre os personagens e seu relacionamento.
Enquanto o Hikaru original provavelmente não tinha sentimentos românticos por Yoshiki, Yoshiki parece lutar contra seus próprios desejos. O enredo consegue abordar temas profundos com sensibilidade. Quando Asako percebe a aura sobrenatural perto da linha do trem, ela se afasta, enquanto Rie exorciza a mesma entidade. Asako, por fraqueza, ingenuidade ou empatia, permite que o espírito viva. Rie, mais experiente, acredita que a coexistência é impossível.
A cena da morte do Hikaru original adiciona um toque de humor macabro. Inicialmente, a audiência pode supor que ele foi vítima de uma maldição ou ritual. No entanto, a verdade é que ele escorregou em um tronco de árvore molhado. A visão de uma árvore voluptuosa e a lembrança de Yoshiki no momento da morte podem ser interpretadas como o nascimento de uma versão mais aberta e "gay" de si mesmo. Talvez Hikaru tenha começado a viver de verdade naquele inverno, mas o verão reserva novas provações.