A Besta das Trevas, uma figura sombria e recorrente na aclamada obra "Berserk", emerge das profundezas da psique de Guts como uma personificação de sua ira, sede de sangue e ódio visceral. Conforme explorado em um vídeo recente, essa entidade canina não é apenas uma manifestação simbólica, mas uma força complexa que oferece poder a Guts ao mesmo tempo em que o ameaça com a completa consumição. Compreender a natureza da Besta das Trevas é crucial para desvendar a jornada de Guts e sua luta contra o destino.
A forma canina da Besta das Trevas não é arbitrária. Ela remonta à infância traumática de Guts sob os cuidados de Gambino, seu pai adotivo. Gambino frequentemente tratava Guts como um cão, chegando a usar termos como "Nanico" (filhote). A relação conturbada e abusiva de Gambino com Guts, contrastada com sua afeição por um cão de verdade, plantou as sementes para essa representação bestial na mente do jovem guerreiro. A própria Casca, em um momento de exasperação, o chama de "cachorro louco" durante a Era de Ouro, reforçando essa imagem.
Em momentos posteriores, como nas tentativas de Shierke e Farnese de restaurar as memórias de Casca, Guts é visualizado em sua mente como um cão carregando o fardo dos fragmentos de sua sanidade, simbolizando lealdade, proteção e também uma ferocidade latente. A primeira grande provação de Guts contra probabilidades esmagadoras é um confronto com uma matilha de lobos, logo após sua fuga do acampamento de Gambino.
No entanto, equiparar a Besta das Trevas a um simples cão ou lobo seria uma simplificação excessiva. Ela é chamada de "besta" por um motivo: uma criatura monstruosa e exagerada, criada para enfatizar o afastamento de Guts de sua humanidade e sua progressiva transformação em algo mais animalesco do que humano. É uma representação temática da natureza solitária e voraz de Guts.
A obra de "Berserk" frequentemente dialoga com conceitos filosóficos, e a Besta das Trevas ecoa a famosa citação de Nietzsche: "Aquele que luta com monstros deve tomar cuidado para não se tornar um próprio. E se você olhar muito tempo para o abismo, o abismo também olhará para você." Curiosamente, o vídeo sugere que todos possuímos uma "besta das trevas" interior, aquela voz que nos impulsiona, mas também nos sabota através da procrastinação ou de desejos autodestrutivos. Em Guts, essa voz se manifestou de forma tangível.
Em termos psicológicos, a Besta das Trevas é a personificação do trauma sofrido por Guts durante o Eclipse, exacerbado por sua jornada solitária como o Espadachim Negro, caçando apóstolos e testando os limites de seu corpo e mente. Quando a Besta se comunica com Guts, é essencialmente sua própria sombra, seu lado mais sombrio, expressando suas emoções negativas mais intensas: ódio, raiva, medo, tristeza e culpa. Ela representa uma pulsão de morte freudiana, um desejo de abandonar tudo e ceder à vingança contra Griffith, mesmo que isso signifique autodestruição.
O objetivo primordial da Besta das Trevas é simples: impulsionar Guts a matar Griffith, a saciar sua sede de vingança a qualquer custo. Seus amigos, especialmente Casca, são vistos como obstáculos a esse objetivo, pois o ligam à vida e o impedem de se entregar completamente ao seu ódio. Embora Guts tenha escolhido proteger Casca em vez de buscar vingança imediata, seu desejo latente nunca desapareceu, alimentando a Besta.
A Besta das Trevas não é meramente uma alucinação; ela possui uma influência real no mundo de "Berserk". No capítulo 229, a projeção astral de Shierke viaja para a mente de Guts e confirma que o núcleo da fera é seu próprio ego. No entanto, a Besta transcende uma simples criação mental, ganhando uma forma mais tangível, especialmente através da Armadura Berserker.
A Armadura Berserker atua como um catalisador, tornando a sombra interior do usuário mais proeminente e conferindo-lhe uma forma física manifesta. Durante seus dias como Espadachim Negro, a sanidade e a humanidade de Guts diminuíram progressivamente, aproximando-o da própria besta que ele combatia. Sua batalha contra Rosine exemplifica essa transformação, onde sua sede de vingança o levou a atos monstruosos.
A Armadura Berserker, forjada há milênios e imbuída de um "OD" puramente escuro e sinistro, amplifica as emoções negativas do usuário. O conceito de "OD", apresentado na obra, ecoa a força ódica da filosofia, uma energia vital que permeia o universo. A armadura desperta a raiva e a violência latentes em Guts, e a Besta das Trevas é justamente o que essa armadura fortalece. Ao vestir a armadura, os olhos de Guts brilham em vermelho, e a própria armadura assume a forma da besta interior de seu portador, como a caveira que representava a Besta de Geiseric.
Com o tempo, a Besta das Trevas se torna mais forte, em parte devido à própria natureza do mundo de "Berserk". Ideias e conceitos do mundo físico podem ganhar forma no mundo astral. Skull Knight explica a existência do Interstício, uma camada entre o mundo mortal e o mundo dos mortos, onde a mente afeta a matéria em maior extensão. Guts, marcado para o sacrifício, reside nesse limiar, atuando como um portal ambulante entre os dois mundos. Isso permite que sua escuridão interior, a Besta das Trevas, se manifeste com mais poder do que em outras pessoas.
Criaturas como trolls e sereias, que começaram como lendas no mundo físico, eventualmente se projetaram no mundo astral através da crença coletiva. A própria Ideia do Mal nasceu do inconsciente coletivo da humanidade. Os demônios interiores, portanto, podem ganhar forma no mundo astral, especialmente para alguém como Guts, que vive tão próximo a ele. A Besta das Trevas, inicialmente pensamentos sombrios e o desejo de vingança, literalmente se tornou um demônio próprio para Guts devido à sua condição de habitante do Interstício.
Entregar-se completamente à Besta das Trevas tem um custo terrível, como adverte Skull Knight: ser consumido pela vingança e devorado pela própria fera. A vulnerabilidade de Guts após a perda de Casca para Griffith torna-o ainda mais suscetível à influência da Besta, que anseia por se libertar completamente. A Besta profetiza que, ao sofrer a perda de seus entes queridos novamente, nada poderá detê-lo, e ele será completamente engolido por sua fúria.
A Besta das Trevas, portanto, é um elemento multifacetado na narrativa de "Berserk". Ela é um reflexo do trauma e da escuridão interior de Guts, uma manifestação de sua raiva e sede de vingança, e uma fonte de poder perigoso. Sua evolução, de uma representação psicológica a uma força quase tangível, ilustra a profundidade e a complexidade do universo criado por Kentaro Miura, onde os demônios interiores podem se tornar ameaças externas. A luta de Guts não é apenas contra inimigos físicos, mas também contra a Besta que reside dentro de si, um conflito que molda seu destino e o da própria narrativa.