A adaptação para anime de "The Beginning After the End" tem sido alvo de críticas significativas, e infelizmente, a qualidade da animação – frequentemente descrita como feia, mal feita, mal animada e estática – é apenas uma parte do problema. Uma análise mais aprofundada dos primeiros dois episódios revela inúmeras omissões, alterações e cortes de conteúdo crucial da obra original (webtoon e novel), comprometendo a fidelidade e a profundidade da adaptação.
Uma das primeiras grandes diferenças notadas reside na apresentação do prólogo do Rei Grey. Na obra original, somos imersos nos pensamentos e na narrativa em primeira pessoa de Grey, acompanhando suas últimas lembranças antes da reencarnação. Ele reflete sobre a sensação de seu corpo pesado, o adormecer derradeiro e a incerteza sobre a causa de sua morte – assassinato, envenenamento ou outra trama, dada a quantidade de inimigos que possuía. Essa perspectiva íntima nos coloca diretamente em seus "pés" desde o início. Em contraste, o anime adota uma abordagem de terceira pessoa, observando Grey de fora, o que distancia o espectador de sua experiência e de seus pensamentos internos, perdendo a conexão imediata estabelecida na obra original.
Ao renascer como Arthur, sua análise do ambiente é retratada de forma menos intensa no anime. Na obra original, Arthur examina seu entorno com a atenção meticulosa de um profissional coletando informações, buscando se situar e compreender o novo mundo. Além disso, o desenvolvimento inicial é mais gradual, com Arthur aprendendo sobre sua família e o novo mundo aos poucos. As informações não são despejadas de uma vez, permitindo que o leitor/espectador as absorva progressivamente junto com o protagonista.
Um exemplo específico de corte é a descrição dos pais de Arthur sob a perspectiva de seu eu renascido. Ele considera sua mãe uma beleza encantadora e Reynolds um homem viril e confiável, embora logo perceba sua natureza infantil. Essa infantilidade é ilustrada por brincadeiras como Reynolds jogando Arthur para o alto repetidamente, para sua diversão, exaurindo o bebê – uma ironia para um rei ser reduzido a tal estado. As brincadeiras mais radicais continuam, causando enjoo em Arthur até que ele se machuca, revelando a dinâmica de poder na casa, onde Alice exerce a autoridade.
É também nesse momento que Arthur testemunha a magia de Alice pela primeira vez, quando ela a utiliza para curar seu joelho machucado, em uma cena que remete à cura de Will Deus por Zenith em "Mushoku Tensei", evidenciando a influência de uma obra sobre a outra. Essa experiência marca a primeira vez que Arthur realmente sente a magia, percebendo a extensão de sua ignorância sobre esse novo mundo.
As cenas do Rei Grey apresentadas no anime também divergem da obra original em termos de "vibe". Enquanto o anime o mostra vencendo um duelo e devastando uma nação, a obra original inicialmente não o retrata como inerentemente cruel. Sua frieza e implacabilidade são reveladas gradualmente ao longo da narrativa, mostrando a jornada de como Arthur, o Grey, se tornou o rei frio que era. O anime, por outro lado, já o estabelece como brutal e destrutivo desde o início, alterando a percepção inicial do personagem.
Outra nuance perdida na adaptação é a personalidade de Arthur como bebê. Ele não é tão excessivamente sério como apresentado no anime. Em momentos como a primeira vez que engatinha ou quando se vê no espelho, ele demonstra um lado mais divertido e expressivo, com comentários engraçados e risadas diante de sua própria imagem adorável. Essa leveza e demonstração de emoções são atenuadas no anime, tornando o personagem infantil mais distante e menos relacionável.
A explicação sobre o funcionamento dos poderes de Alice também é superficial no anime, sendo apenas pincelada no segundo episódio. A obra original detalha que Alice é uma desviante, diferente de ampliadores ou conjuradores. Especificamente, ela é uma emissora, um tipo raro de mago capaz de conjurar mana única com propriedades curativas. A raridade de ser um desviante e, dentro dessa categoria, um emissor, é enfatizada, explicando por que curandeiros como Alice são tão incomuns nesse mundo. Essa informação, crucial para entender a singularidade de Alice, é negligenciada no anime.
A primeira experiência de Arthur com a meditação também é diferente. Na obra original, ele reage com indignação quando Alice o interrompe, pois estava prestes a iniciar sua "jornada de descobrimento para ser o maior mago desse mundo". Essa cena humorística revela mais sobre a personalidade de Arthur. Além disso, a explicação sobre os núcleos de mana, um conceito fundamental, é cortada no anime. Aprendemos que a mana se origina do núcleo de mana de cada indivíduo, e o poder é medido pela cor do núcleo, que evolui de preto para vermelho, laranja, amarelo, prata e branco, com três estágios de pureza em cada cor. Essa informação, essencial para compreender o sistema de poder do mundo, é uma falha grave em sua ausência no anime.
Pequenos detalhes que aprofundam a obra também são omitidos. Por exemplo, a frequência das idas de Alice ao mercado é maior porque Arthur gosta de acompanhá-la. Suas tentativas constantes de escapar para a sala de estudos e a crescente consciência de Alice sobre suas fugas, a ponto de considerar mudar seu berço para lá, adicionam camadas à dinâmica familiar. Esses detalhes, embora menores, contribuem para a riqueza do mundo e dos personagens.
A cena da explosão da casa de Arthur também parece ter uma representação diferente. Na obra original, o desespero e o medo dos pais diante da explosão com seu filho dentro são mais palpáveis. A seriedade da situação é mais evidente. Além disso, a ilógica de um telhado caindo sobre Arthur após ele explodir a casa é uma inconsistência presente no anime.
Após o timeskip, a obra original detalha que Arthur passa esse período estudando com a ajuda de sua mãe e sendo treinado por seu pai. Reynolds o ensina sobre manipulação e fortalecimento de mana desde o despertar de seus poderes. Arthur também realiza treinamento físico ao lado de Reynolds. Apenas aos três anos de idade, Reynolds lhe dá uma espada de madeira, e eles começam a ter duelos. Essa progressão no aprendizado de Arthur torna a surpresa de Reynolds ao vê-lo usar mana no anime sem sentido, já que ele próprio o ensinou. Sua surpresa deveria ser reservada ao momento em que Arthur quebra sua varinha, demonstrando um poder inesperado.
A decisão sobre Arthur estudar fora de casa também é abordada de forma diferente. Após uma discussão entre os pais, a decisão é colocada diretamente nas mãos de Arthur, uma criança de quatro anos. A solução óbvia de ambos os pais acompanharem Arthur surge como uma ideia do próprio menino, ironizando a dificuldade dos adultos em chegar a essa conclusão.
Na cena em que Adam desafia Arthur para treinar, a tentativa de comunicação de Arthur com seu pai sobre o perigo representado por Adam é mal interpretada por Reynolds, que acredita que o filho está apenas animado para lutar. O confronto subsequente é mais detalhado na obra original, com Arthur inicialmente defendendo-se e desviando dos ataques de Adam com facilidade, chegando a pressioná-lo antes de ser lançado ao chão por um ataque sério do aventureiro. A queda de Arthur não é aérea como no anime, mas sim no chão, causando um impacto físico. A reação de Alice ao comentário de Reynolds sobre não ter ensinado aquilo a Arthur, questionando se era o que o filho andava estudando, adiciona uma camada de mistério. Além de Jasmine, Reynolds também ensina essa técnica a Adam, algo omitido no anime.
No confronto com os bandidos, a reação inicial de Arthur é marcada por frieza e ódio quando o líder menciona não machucar mulheres e crianças para não danificar a "mercadoria". Ele empunha sua adaga, pronto para lutar, mas é contido por sua mãe, que o puxa para perto, pensando que ele está com medo. A cena de luta subsequente é significativamente superior na obra original, com combates dinâmicos, movimentos fluidos e personagens salvando uns aos outros, contrastando com as imagens estáticas do anime.
Quando Reynolds é ferido e lançado pelo líder dos bandidos, a reação de Arthur é imediata, pedindo que sua mãe o cure rapidamente. A ausência da cena noturna anterior, onde a raridade e o perigo da magia de Alice são discutidos, faz com que Arthur não tenha essa informação no momento do ataque.
A reação de Alice ao ver Reynolds ferido é de tremor e quase pânico, indicando um problema pessoal que a impede de curá-lo imediatamente, e não a raridade de sua magia como sugerido no anime. Apesar de seu estado, ela começa a usar sua magia de cura em Reynolds. A razão pela qual os inimigos ordenam sua eliminação ao invés de captura não é por sua magia ser rara, mas sim porque sua capacidade de cura a torna um obstáculo perigoso para o grupo deles.
A cena em que Reynolds pede a Arthur para proteger sua mãe é seguida pela ação do menino, que realmente bloqueia flechas inimigas com sua espada para protegê-la – uma ação completamente ignorada na adaptação.
Enquanto corre, Arthur demonstra sua inteligência ao contar os bandidos e observar o campo de batalha, percebendo a ausência de um quarto mago. Ele então identifica o mago restante preparando um ataque de água direcionado a ele e sua mãe. Na obra original, Arthur consegue desviar do ataque, mas sua mãe não. Em uma decisão rápida, ele a empurra para fora do caminho, recebendo o golpe e, crucialmente, agarrando o mago inimigo, levando-o consigo na queda para impedir que ele continue atacando sua mãe.
Durante a queda, temos um flashback do Rei Grey em seus aposentos, refletindo sobre sua vida. Ele se dirige à sala de um conselheiro, onde observa retratos de figuras importantes que governam o país, gerenciando política e economia, enquanto seu papel como rei tem outras dimensões.
Nesse mundo, devido à baixa taxa de natalidade e recursos limitados, as guerras tradicionais são substituídas por duelos entre reis, onde o vencedor decide o conflito. Grey informa ao conselheiro sua decisão de se aposentar. Apesar de ter dedicado sua vida a se tornar o mais forte, ele sente que não ganhou nada, pois fama e glória são vazias para ele. Órfão, ele perdeu todos que amava e pensa que trocaria tudo o que conquistou pela chance de retornar a Esber e revê-los, recordando momentos de alegria com seu antigo grupo.
O flashback termina com Grey acordando na floresta, vivo após a queda. A partir desse ponto, a análise do conteúdo cortado é interrompida devido à incerteza sobre o quanto o próximo episódio do anime irá adaptar. A aparição de Silvia no final do segundo episódio sugere que a adaptação pode continuar a divergir significativamente da obra original. Uma análise mais completa do conteúdo cortado será apresentada em um vídeo futuro, após a exibição do próximo episódio. No entanto, fica claro que as omissões e alterações nos primeiros dois episódios já comprometem a qualidade da adaptação de "The Beginning After the End".