Com o retorno triunfal de "Como Treinar o Seu Dragão" às telas, desta vez em live-action, reacende-se a chama da nostalgia pela animação original que tocou o coração de tantos. A saga de Soluço e Banguela, permeada por aventura, ternura e uma amizade singular, é muito mais do que aparenta. Por trás da magia que nos transporta para Berk, esconde-se uma produção repleta de curiosidades, decisões audaciosas e momentos cruciais que moldaram o filme que amamos.
A gênese da história reside nos livros da escritora britânica Cressida Cowell, cujo primeiro volume, lançado em 2003, ostentava o mesmo título do filme, mas com uma abordagem distinta. Enquanto a animação trilha um caminho de aventura épica e drama emocionante, os livros abraçam um tom mais leve e bem-humorado, com personagens caricatos e situações divertidas. A série literária é composta por 12 livros, todos escritos e ilustrados por Cowell. O último, "Como Enfrentar a Fúria de um Dragão", publicado em 2015, encerra a jornada de Soluço de maneira bem diferente daquela que o público acompanhou nos cinemas.
Um olhar mais atento revela uma semelhança notável entre Stitch, de "Lilo & Stitch", e Banguela, o dragão de "Como Treinar o Seu Dragão". Essa similaridade não é obra do acaso, mas sim da mente criativa de Chris Sanders, o artista por trás do visual de ambos os personagens. Sanders, além de roteirista e diretor, é um talentoso designer de personagens, conhecido por seu traço inconfundível. Suas criações se destacam por formas arredondadas, olhos expressivos e um toque travesso. Banguela, em especial em sua versão mais adorável e com comportamento de animal de estimação, evoca a imagem de Stitch, para deleite dos fãs.
Antes da chegada de Chris Sanders e Dean DeBlois, o roteiro de "Como Treinar o Seu Dragão" seguia mais fielmente o livro original de Cressida Cowell. O roteirista Will Davies chegou a trabalhar em uma versão que se mantinha próxima à história dos livros, mas a dupla considerou o tom infantil demais para a proposta que tinham em mente para o cinema. Uma das mudanças mais significativas realizadas por Sanders e DeBlois foi a transformação de Banguela. Nos livros, ele é um dragão pequeno da espécie Dragão de Jardim, mas na animação ele se tornou um Fúria da Noite, o dragão mais raro e poderoso do universo da história.
A inspiração para a aparência de Banguela surgiu de forma inusitada. Inicialmente, a espécie Fúria da Noite seria mais parecida com um lobo, mas o protetor de tela de uma pantera de um funcionário da DreamWorks inspirou os criadores a dar a Banguela uma aparência mais felina. Para uma cena específica, um dos animadores de Banguela chegou a prender uma fita adesiva no rabo de seu gato de estimação e gravou a reação do animal com o celular, usando o vídeo como referência. O resultado foi tão satisfatório que a cena foi reproduzida quase identicamente à reação do felino.
A produção de "Como Treinar o Seu Dragão" contou com a consultoria visual de Roger Deakins, um dos maiores diretores de fotografia da história de Hollywood. Deakins, indicado ao Oscar mais de 15 vezes e vencedor em duas ocasiões, contribuiu para criar composições de câmera mais cinematográficas e realistas, elevando a qualidade visual da animação.
Ao adaptar os livros de Cressida Cowell, os cineastas expandiram o universo de "Como Treinar o Seu Dragão" para que a história se adequasse melhor ao formato cinematográfico. Uma das mudanças mais notáveis foi a inclusão de novos personagens que não existiam na obra original. Astrid, por exemplo, foi criada especialmente para o filme, servindo como contraponto emocional e como uma figura que desafia e inspira o protagonista.
Até mesmo animações, onde cada movimento é meticulosamente planejado, estão sujeitas a imprevistos. Durante a famosa cena em que Soluço estende a mão para tocar Banguela pela primeira vez, o dragão hesita por um breve momento. Essa hesitação, no entanto, não fazia parte do roteiro original, mas sim de um pequeno erro de animação. Os animadores, ao assistirem à cena pronta, perceberam que aquele detalhe conferia um charme especial e transmitia ainda mais emoção e realismo ao momento, decidindo, então, manter o "erro" na versão final do filme.
Em uma cena, Banguela leva Soluço e Astrid para a Ilha dos Dragões, onde são cercados por diversas criaturas voadoras. Em meio à multidão de dragões, um detalhe curioso chama a atenção dos fãs mais atentos: um dos dragões carrega um hipopótamo nas garras. Trata-se de Gloria, a personagem de "Madagascar", outra animação famosa da DreamWorks, em uma brincadeira interna do estúdio para os caçadores de easter-eggs.
Steven Spielberg, que na época fazia parte da liderança criativa da DreamWorks, percebeu que a ligação emocional entre Soluço e Banguela estava perdendo força ao longo do filme. Em resposta, os diretores decidiram incluir Banguela na cena final do hospital, quando Soluço acorda e percebe que perdeu parte da perna após a batalha contra o dragão colossal. A presença de Banguela ali reforçou o laço entre os dois e trouxe uma carga emocional ainda mais intensa para o desfecho do filme.
"Como Treinar o Seu Dragão" recebeu duas indicações ao Oscar, nas categorias de Melhor Animação e Melhor Trilha Sonora Original. Apesar de não ter levado nenhuma das estatuetas, as indicações consolidaram seu prestígio junto ao público e à crítica.