Qualquer fã de mangá certamente conhece o trio Berserk, Vagabond e Vinland Saga, o famoso "Big Three" do seinen. Três histórias com protagonistas traumatizados pela violência, dor e o desespero de tentar encontrar um propósito, sem nunca realmente alcançar a paz. Enquanto Vagabond está em hiato há anos e Berserk continua saindo devagar após a morte de Miura, Vinland Saga, no entanto, encerrou sua publicação, tornando-se o primeiro do trio a realmente ganhar um final, e talvez o único a chegar a esse ponto.
Curiosamente, esse fim veio quando a história não parecia estar em sua conclusão natural, deixando uma sensação de que ainda havia mais a ser contado. Para muitos, isso pode parecer estranho ou até frustrante. Mas, ao revisitar o último arco, percebe-se que talvez essa ausência de um fechamento "tradicional" seja justamente o que conecta Vinland Saga a Berserk e Vagabond em uma única mensagem profunda. O final de Vinland Saga pode ser exatamente a lição que Berserk e Vagabond tentam nos transmitir há anos.
A narrativa de Vinland Saga é dividida em quatro arcos, cada um focado no desenvolvimento de Thorfinn e em sua busca para se tornar um verdadeiro guerreiro, seguindo a lição de seu pai. Eles mostram a jornada do ódio cego por vingança, a perda de propósito quando o inimigo é tirado dele, o desespero de uma vida vazia, a descoberta de um novo objetivo, e a determinação em busca da verdadeira paz em um mundo dominado pela violência. O último arco, em particular, testa essa ideologia pacifista de Thorfinn das formas mais difíceis imagináveis, colocando em risco até as pessoas que ele mais ama.
No arco final, após anos de preparação, Thorfinn finalmente realiza seu sonho de colonizar Vinland, uma terra onde poderiam viver em paz, sem a necessidade de armas ou inimigos. Contudo, nem todos compartilham dessa filosofia. Wi-Fi leva armas para Vinland, acreditando que a violência é a única forma de garantir a paz, plantando a semente da guerra. Apesar de Thorfinn conseguir manter a paz com os nativos inicialmente, a visão do Xamã de um futuro destruído, onde os nórdicos massacram os nativos, transforma a desconfiança em inimizade, levando ao conflito.
No meio dessa tensão, há uma fagulha de esperança: a rainha de uma tribo inimiga, que estava determinada a matar Thorfinn por vingança, decide perdoá-lo. Isso ocorre porque ela testemunha a firmeza de Thorfinn em abrir mão da violência, mesmo quando isso quase lhe custa a vida. Essa atitude reforça a crença de Thorfinn de que sua filosofia de "não ter inimigos" funciona e pode apaziguar o ódio. Contudo, enquanto Thorfinn buscava a paz, outros colonos construíam um forte, aumentando o medo dos nativos e a inevitabilidade do conflito.
A guerra se inicia, agravada por uma praga que dizima os nativos, reforçando a visão do Xamã de que os nórdicos trouxeram a morte. Sem como parar a guerra, Thorfinn tenta uma última vez negociar uma trégua. Confrontado com a decisão de abandonar Vinland para manter a paz ou lutar para manter a terra tão sonhada, Thorfinn não hesita. Ele escolhe a paz, mesmo que isso signifique renunciar a anos de sacrifício e perda. Para ele, garantir a paz e a sobrevivência de seus entes queridos é infinitamente mais importante do que qualquer terra prometida.
A espada, como Thorfinn sempre disse, é uma ferramenta feita para matar, e por isso não deveria existir em Vinland. Sua presença desperta inveja e ganância, levando à guerra. Wi-Fi e outros colonos se preparam para o combate, enquanto Thorfinn, ferido, tenta mediar. Em meio à matança, Einar, o melhor amigo de Thorfinn, que nunca havia matado, se vê forçado a fazê-lo para sobreviver. Isso o desestabiliza, fazendo-o perceber o peso das escolhas violentas. Einar finalmente compreende que Thorfinn sempre acreditou que a paz não é uma escolha simples, mas o resultado de pequenas decisões ao longo do caminho, e que a violência sempre leva à morte.
No clímax, o irmão de Aiwai tenta vingar seu parente, e Einar, para impedir mais mortes e honrar a filosofia de Thorfinn, o impede, mas é fatalmente ferido. Thorfinn sofre profundamente a perda de seu amigo, compreendendo o quanto o "veneno da violência" infectou até a pessoa mais gentil que ele conhecia.
O capítulo final mostra Thorfinn embarcando os navios para deixar Vinland, entregando sementes e uma enxada aos nativos como um ato de retribuição e um símbolo de um futuro diferente. Ele agradece ao Xamã, seu antigo rival, agora aliado na filosofia de "não ter inimigos". Ao partir, Thorfinn sente o peso de sua decisão, mas sabe que era a escolha certa para manter a paz e as pessoas que ama vivas. Ele adverte o líder nativo sobre a espada, mas sabe que a decisão de abandonar a violência deve vir de cada um.
Thorfinn reencontra sua esposa e filhos, formando uma família que ele nunca pôde ter, um futuro que ele jamais sonhou em meio ao sangue e à violência de seu passado. O final mostra o líder nativo, Li-No, plantando as sementes que Thorfinn deixou, cuidando da terra e esperando a colheita, simbolizando um futuro de esperança.
Este não é um final que a maioria esperaria, onde o protagonista abandona seu grande objetivo e sofre perdas. Thorfinn não alcançou o "sucesso" de forma tradicional. No entanto, a história sempre foi sobre a jornada de Thorfinn amadurecendo, descobrindo o que realmente queria e, principalmente, o que precisava. Ele percebeu que é impossível mudar o mundo sozinho; o melhor que ele pode fazer é mudar seu modo de ver o mundo e a forma como interage com ele, vivendo uma vida que vale a pena com as pessoas que ama. A vida é a soma de várias experiências, e a jornada pode ter valido a pena mesmo que o objetivo final não seja plenamente alcançado.
Essa mensagem se conecta profundamente a Berserk e Vagabond. Guts, em Berserk, também lida com o ódio e a vingança, mas a história sugere que o ódio é uma "espada enferrujada" que consome quem a usa. Em Vagabond, a jornada de Musashi também é sobre propósito e amadurecimento, sobre um homem quebrado que encontra sentido na violência, mas que, no fim, percebe a futilidade de carregar tanto ódio. O "arco da fazenda" em ambos os mangás, onde os protagonistas mais crescem, é um ponto de forte ligação.
Ao ligar todos esses pontos, percebemos que a mensagem desses três mangás é notavelmente similar: nenhum deles precisa de um final 100% satisfatório e feliz, justamente porque o sentimento de que a obra e a jornada dos personagens continuam é parte da mensagem. Mesmo depois de virarmos a última página, a história deles continua, e eles seguirão crescendo, enfrentando desafios e evoluindo, exatamente como nossa própria jornada. Por isso, essas são obras-primas que valem cada segundo de leitura.