No vasto universo dos animes, alguns personagens se destacam por sua resiliência e capacidade de superar adversidades. Might Guy, de Naruto, certamente figura entre eles. Embora Rock Lee seja frequentemente lembrado como o epítome da perseverança, foi o próprio Guy quem personificou a motivação e o poder de ir além das limitações impostas. Sem Guy, não haveria o inspirador Rock Lee. Ele é o exemplo vivo de como o ambiente nos molda, mas também de como podemos transcender as circunstâncias e o peso do passado.
A trajetória de Guy nunca foi marcada pelo talento natural. Em sua infância na academia ninja, ele não se sobressaía. Sua admiração fervorosa por seu pai, Might Dai, um mestre de Taijutsu subestimado, o impulsionou a se dedicar exclusivamente a essa arte marcial, ignorando suas deficiências em Ninjutsu e Genjutsu. Guy treinava incessantemente, buscando a aprovação e o reconhecimento de seu pai, um Genin que, apesar de sua força, não era valorizado pela sociedade ninja.
A insegurança de Guy na infância era evidente. Ele se irritava com as zombarias direcionadas ao seu pai e, em uma tentativa de defendê-lo, confrontou ninjas mais velhos, resultando em ferimentos e hospitalização. Sua resiliência, a característica que o define na vida adulta, não era inata, mas sim forjada através do tempo e de suas experiências. Ao perceber sua falta de aptidão para Ninjutsu e Genjutsu, ele precisou ressignificar suas expectativas e encontrar força em sua paixão pelo Taijutsu.
Seu pai, Dai, desempenhou um papel crucial nessa transformação, ensinando-lhe a perigosa técnica dos Oito Portões, com a condição de que ela só fosse utilizada para proteger alguém. O próprio Dai demonstrou o poder e o sacrifício dessa técnica ao salvar Guy e seus companheiros dos Sete Espadachins da Névoa, um evento que marcou profundamente o jovem Guy. A inferiorização que ele sentia devido à sua falta de talento se tornou, paradoxalmente, o motor que o impulsionou a se tornar um dos ninjas mais formidáveis. Sua fraqueza inicial se transmutou em sua maior força.
A insegurança e a preocupação com a opinião alheia que assombravam a infância de Guy gradualmente se dissiparam na vida adulta. O cérebro humano prioriza a sobrevivência, criando um fluxo de pensamentos automáticos baseados nessa necessidade, a chamada rede modo padrão. Essa rede varre o ambiente em busca de ameaças, muitas vezes negligenciando os sinais de segurança e afeto. É por isso que tendemos a valorizar tanto a opinião dos outros, especialmente as críticas.
No entanto, Guy trilhou um caminho diferente. Ele decidiu viver de acordo com seus próprios princípios, com uma fidelidade inabalável a si mesmo. Sua natureza competitiva o aproximou de Kakashi, um ninja talentoso, quieto e, como Danzo observava, mais sombrio devido ao seu passado. Apesar das diferenças e da rivalidade unilateral que Guy alimentava, ele admirava a força e o controle de Kakashi.
Um aspecto notável da personalidade de Guy é sua capacidade de cumprir desafios autoimpostos, mesmo sem testemunhas. Ele não buscava a validação externa para suas ações, mas sim a sua própria melhoria como ninja, impulsionado pela motivação intrínseca – aquele impulso que emana de dentro, desprovido de recompensas externas ostensivas. A motivação intrínseca, alimentada pelo prazer inerente à atividade, fornece uma fonte duradoura de energia e perseverança, permitindo que enfrentemos desafios e contratempos com resiliência e comprometimento. Essa é a chave para a energia aparentemente infinita de Guy.
A rivalidade com Kakashi era um catalisador para o seu crescimento. Ele propunha desafios, perdia e arcava com as consequências, mesmo diante do riso alheio. Guy havia se libertado da prisão da opinião dos outros, e essa liberdade era o motor de seu progresso. A autoestima genuína floresce quando buscamos a excelência por nós mesmos, sem a necessidade constante de validação externa.
Guy expressava sua individualidade sem se importar com o julgamento alheio, vestindo-se e arrumando o cabelo da maneira que lhe agradava. Essa autenticidade é um dos motivos de sua forte ligação com seu aluno favorito, Rock Lee, que admira Guy da mesma forma que Guy admirava Dai. Lee segue as instruções de seu mestre, em grande parte porque Guy vive de acordo com o que ensina, exemplificando o princípio da prova social: tendemos a seguir o exemplo daqueles ao nosso redor para determinar o que é correto.
Diante de um problema, Guy demonstrava uma habilidade crucial: fazer a pergunta certa. Nossos cérebros são programados para buscar respostas às perguntas que formulamos, um fenômeno conhecido como efeito pergunta-comportamento. Perguntas negativas tendem a gerar respostas negativas, enquanto perguntas focadas em soluções e possibilidades abrem um caminho diferente para o nosso pensamento. Guy e Rock Lee compartilham essa busca por perguntas que resolvem problemas, um fator que contribui para a resiliência de Guy.
A resiliência, embora frequentemente vista como um conjunto de características a serem aplicadas para superar adversidades, é, como sugere o pesquisador George Bonanno, um conceito altamente individualista e multifacetado. No caso de Guy, sua resiliência parece estar fortemente ligada à sua capacidade de deixar o passado para trás. Ele expressa isso de uma maneira peculiar: esquecendo o nome de seus oponentes, uma metáfora para sua despreocupação com o que já passou e seu foco no futuro.
O passado molda nosso comportamento, mas a fixação nele pode ser paralisante. Imaginar Guy ainda preso à insegurança de sua infância ilustra como a persistência em um cenário que não mais existe pode nos aprisionar. A memória funciona de maneira seletiva, muitas vezes trazendo à tona lembranças consistentes com nosso estado emocional presente. A ruminação constante sobre o passado pode nos aprisionar em ciclos de raiva, culpa, ressentimento, tristeza ou vergonha.
A confiança de Guy e sua orientação para o futuro provavelmente o protegeriam da depressão, uma condição frequentemente associada à dificuldade de enxergar esperança no futuro. Ele vive no presente, focado no processo tanto quanto no resultado, uma chave para manter a motivação a longo prazo.
Finalmente, a "força da juventude" de Guy, seu otimismo contagiante, o torna um dos personagens mais felizes de Naruto. Estudos demonstram consistentemente a ligação entre o pensamento otimista e resultados positivos na vida, incluindo melhor saúde física, sucesso profissional, conexões sociais fortes e longevidade. O otimismo está associado à atividade em regiões do cérebro envolvidas no processamento de informações positivas e na menor reação a notícias negativas. A antecipação de resultados positivos libera dopamina, reforçando o ciclo do pensamento otimista.
É claro que esse otimismo, levado ao extremo, pode ter um custo, como vimos quando Guy abriu os Oito Portões contra Madara, quase perdendo a vida. No entanto, sua capacidade de seguir em frente, de "esquecer alguns nomes" e não se deixar paralisar pelo passado, é a sua grande lição. Às vezes, assim como Guy, precisamos deixar para trás o peso de lembranças dolorosas e improdutivas para podermos avançar. A escolha de reviver constantemente o passado é como carregar uma pedra desnecessária em nossa jornada.