Poucos personagens conseguem encapsular a visão niilista e distorcida de mundo presente em "Watchmen" tão bem quanto Edward Blake, o Comediante. Longe de ser um herói no sentido tradicional, ele é um vigilante mascarado que personifica a brutalidade e a ironia, um verdadeiro espelho grotesco da própria humanidade. Em uma realidade onde os "heróis" estão longe de serem heroicos, o Comediante se destaca por abraçar o caos, transformando a violência em sua própria linguagem. Sua trajetória cruza guerras, conspirações políticas e o legado conturbado de outros vigilantes, sempre deixando um rastro de sangue e ambiguidade moral. Vamos mergulhar fundo na psique perturbadora desse anti-herói com 10 fatos que revelam suas complexidades.
1. Uma Paródia da Sociedade: Edward Morgan Blake nunca almejou ser um exemplo de virtude. Para ele, o mundo era uma piada de mau gosto, e a única maneira de lidar com isso era rindo – mesmo que esse riso mascarasse sangue, brutalidade e desespero. Seu codinome, "Comediante," é carregado de ironia: ele não contava piadas, ele era a piada, o reflexo mais grotesco de uma sociedade hipócrita, violenta e intrinsecamente corrupta. Diferentemente de outros vigilantes obcecados por justiça, o Comediante se sentia à vontade no caos. Ele não queria consertar o sistema; ele o compreendia e o aceitava em sua totalidade. Alan Moore utilizou Blake como uma crítica contundente à moral distorcida dos super-heróis tradicionais, elevando ao extremo a representação do niilismo e da passividade diante do horror.
2. A Origem no Pacificador: A ideia inicial de "Watchmen" apresentada por Alan Moore à DC Comics envolvia o uso de personagens da Charlton Comics, como o Pacificador, o Questão e o Besouro Azul. Originalmente, o Comediante seria o próprio Pacificador. No entanto, a DC Comics considerou que a história seria excessivamente sombria, comprometendo o potencial futuro desses personagens em seu universo principal. Moore foi incentivado a criar versões alternativas inspiradas neles, dando origem a personagens totalmente novos. O Comediante nasceu como uma reinterpretação distorcida do Pacificador: um homem disposto a cometer atrocidades em nome da "paz," sem qualquer tipo de restrição ética ou ideal verdadeiro. Essa mudança concedeu a Moore total liberdade para explorar temas muito mais pesados e complexos.
3. Uma Colagem de Arquétipos: Mesmo após se distanciar do Pacificador, o Comediante ainda carrega em si traços de diversos ícones da cultura pop. Sua estética militar e postura agressiva remetem a Nick Fury, enquanto seu patriotismo cínico evoca o Capitão América – mas com uma inversão moral perturbadora. Moore o construiu como a desconstrução definitiva do herói de guerra clássico, incorporando nele tudo que há de mais repulsivo no ideal militarista. Além das influências fictícias, Moore também se inspirou em G. Gordon Liddy, ex-agente do FBI e figura central do escândalo Watergate, notório por suas declarações extremistas e lealdade inabalável à autoridade. Essa combinação torna o Comediante uma figura assustadoramente verossímil: um reflexo cruel de homens reais que se escondem atrás de uniformes e bandeiras para justificar seus atos hediondos.
4. Veterano de Guerras, Agente do Governo: O passado militar de Blake é extenso e aterrorizante. Ele serviu nas fileiras americanas durante a Segunda Guerra Mundial e no Vietnã, onde cometeu atrocidades e demonstrou total familiaridade com o lado mais sombrio do conflito. Para ele, a guerra era o verdadeiro estado natural da humanidade, e ele se tornou um mestre nela. Após os conflitos, Blake se tornou uma peça fundamental para o governo dos EUA. Atuando como agente de operações secretas, ele participou de eventos como o massacre de manifestantes e operações de espionagem, servindo como executor de uma política externa brutal. Ele era, literalmente, o braço armado do poder, sem questionamentos ou limites morais.
5. O Botão Sorridente Manchado de Sangue: O bóton amarelo sorridente se tornou um dos símbolos mais emblemáticos de "Watchmen," mas seu significado transcende a estética. Manchado de sangue, ele resume a ironia cruel do universo da obra: a tentativa desesperada de manter a aparência de ordem e felicidade enquanto o mundo desmorona ao redor. Era um acessório pessoal de Blake, um "emblema" de seu riso diante do caos. Esse bóton, encontrado na cena de sua morte, passa a simbolizar todo o legado do personagem. É a peça que desencadeia a investigação de Rorschach, dando início aos eventos da história. Mais do que um simples acessório, o bóton do Comediante se tornou o rosto de uma era onde o idealismo foi suplantado pelo cinismo absoluto.
6. Pai da Espectral II: Um dos momentos mais chocantes da história é a revelação de que Blake é o pai biológico de Laurie, a segunda Espectral. O relacionamento entre ele e Sally Jupiter, a primeira Espectral, foi marcado por violência e abuso, o que torna essa revelação ainda mais tensa e controversa. O passado de Blake está intrinsecamente ligado às contradições do legado heroico. Essa relação familiar torna a história ainda mais complexa, demonstrando como até mesmo os laços mais íntimos podem ser comprometidos por ciclos de trauma. Laurie, que sempre desprezou Blake, se vê forçada a encarar o fato de que uma parte dela vem daquele homem monstruoso. É uma revelação que abala certezas e reforça o tom trágico da obra.
7. Morte Como Ponto de Partida: Logo nas primeiras páginas de "Watchmen," somos jogados na cena do crime: o Comediante é brutalmente assassinado e atirado pela janela de seu apartamento. Sua morte violenta choca seus antigos colegas vigilantes e dá início à investigação paranoica de Rorschach, que acredita em uma conspiração contra os mascarados. Esse assassinato funciona como o estopim da narrativa. O Comediante, que parecia indestrutível, é morto com frieza, levantando questões sobre quem teria poder e motivação para eliminá-lo. Sua morte, portanto, é mais do que um evento trágico: é a faísca que reacende velhos fantasmas e expõe as rachaduras no mundo dos vigilantes.
8. Participação em Eventos Históricos: Dentro do universo alternativo de "Watchmen," o Comediante esteve presente nos bastidores de momentos cruciais da história. A história insinua que ele participou do assassinato de John F. Kennedy e influenciou diretamente o curso da política americana. Com ele, a linha entre ficção e realidade é intencionalmente tênue. Essas insinuações reforçam a ideia de que o mundo de "Watchmen" foi moldado por figuras capazes de tudo em nome da estabilidade. Blake, com seu pragmatismo violento, é retratado como uma espécie de executor sombrio do destino político dos EUA, agindo nas sombras para garantir que a "ordem" prevaleça, mesmo a um custo brutal.
9. Brutalidade Acima de Superpoderes: Apesar de conviver com figuras como o Dr. Manhattan, o Comediante nunca possuiu superpoderes. Sua força derivava de seu treinamento militar, sua resistência física e, acima de tudo, sua ausência de escrúpulos. Ele era perigoso não por ser sobre-humano, mas por ser cruelmente humano. Sua brutalidade o tornava uma ameaça real, mesmo em um mundo com seres que controlam a matéria. Blake não hesitava em matar, torturar ou manipular. Essa ausência de limites morais o transformava em uma ferramenta eficiente, mas também em uma bomba-relógio. Um homem que confiava unicamente na força bruta e na convicção de que o mundo é uma piada sem graça.
10. Jeffrey Dean Morgan no Cinema: Na adaptação cinematográfica de 2009, Blake foi interpretado por Jeffrey Dean Morgan, que entregou intensidade e sarcasmo na medida certa. O visual imponente do personagem foi alcançado com o uso de próteses musculares, garantindo a presença ameaçadora que ele exibe na história original. A atuação de Morgan foi amplamente elogiada, principalmente por capturar a dualidade do Comediante.