A adaptação da obra "Anne de Avonlea" está tomando um rumo inesperado, com decisões narrativas que surpreenderam até mesmo os leitores mais assíduos dos livros de L.M. Montgomery. A recente parcela da história, demonstra uma compressão notável, cobrindo uma quantidade significativa de material original em um ritmo surpreendente. Essa escolha, embora eficiente em termos de progresso da trama, levanta questões sobre a fidelidade e a profundidade da adaptação.
Um dos pontos mais notáveis foi a omissão da história de fundo de Davy e Dora, dois personagens cruciais que chegam à vida de Marilla Cuthbert. Sem a compreensão completa de suas origens, as reações ao comportamento de Davy podem parecer exageradas e até mesmo incompreensíveis. No contexto da literatura do início do século XX, Davy é retratado como um garoto travesso e carente, não como uma figura inerentemente má. Sua falta de orientação parental antes de ser acolhido por Marilla explica muito de suas ações, que são, em grande parte, um pedido desesperado por atenção.
A representação dos papéis de gênero também é um aspecto importante a ser considerado. A dicotomia entre meninas inherentemente doces e meninos propensos a travessuras reflete as normas sociais da época em que a obra foi escrita. No entanto, Montgomery se esforçou para subverter esses tropos com a própria Anne, tornando a ausência desse contexto na adaptação ainda mais notável. Quando Davy se oferece para ajudar com o abate de uma galinha, por exemplo, não é um ato de crueldade, mas sim uma tentativa de assumir um papel masculino em sua nova família e aprender responsabilidades.
Outro momento marcante envolve a recorrente insegurança de Anne com suas sardas. Em um incidente cômico, ela acidentalmente aplica tinta vermelha em vez de sua loção para sardas, justamente antes de receber a visita de sua amiga Priscilla, acompanhada de uma escritora famosa e um cavalheiro de Nova York. A forma como a narrativa mantém o erro de Anne em segredo até o momento em que ela se olha no espelho aumenta a tensão e o humor da cena. As reações das outras pessoas evidenciam a obsessão de Anne com suas sardas, revelando uma vulnerabilidade que a torna ainda mais humana e cativante.
O encontro de Anne com sua ídola, a escritora Sra. Morgan, também oferece uma lição valiosa sobre a importância de manter a imaginação viva. Anne e Diana idealizavam a Sra. Morgan como uma figura romântica e perfeita, mas a encontram como uma senhora comum, com cabelos grisalhos e óculos. Essa revelação, no entanto, não diminui a admiração de Anne, mas a ensina que é possível viver da imaginação, independentemente da aparência ou das expectativas sociais. A Sra. Morgan personifica a ideia de que se pode realizar os seus sonhos, independentemente da aparência física, transformando os tropeços de Anne em combustível para histórias engraçadas.
Embora o ritmo acelerado da adaptação possa ser preocupante para alguns fãs, há esperança de que a essência da história seja preservada. Os próximos acontecimentos são tão intrinsecamente ligados à personalidade de Anne que há uma expectativa de que sejam tratados com o devido cuidado. Se as principais críticas permanecerem focadas em detalhes como penteados e figurinos fora de época, ou na representação da culinária canadense da época, então a adaptação pode ser considerada um sucesso, apesar de suas imperfeições. O desafio reside em equilibrar a necessidade de condensar a narrativa com a importância de manter a integridade e a profundidade dos personagens e temas que tornaram "Anne de Avonlea" uma obra tão amada.